A sobrevivência na América Latina
O período de pandemia tem servido para demonstrar que os países latino-americanos possuem muitas semelhanças sociais e trabalhistas. E essa realidade é semelhante principalmente porque sofremos da mesma instabilidade política durante tantos anos de história.
Nesse momento de grandes dificuldades a previsão é de que a pobreza aumente ainda mais na América Latina e, justamente por isso, os direitos dos trabalhadores devem ser assegurados.
Os índices de desemprego são altos e podem ser ainda maiores quando se pensa que o “subemprego”, enaltecido pela reforma trabalhista, ameniza um pouco os índices oficiais. O grau de informalidade também é estarrecedor e, apenas para se fazer uma comparação, nospaíses vizinhos Paraguai e Argentina, cerca de 50% da população vive na informalidade.
Essa introdução é essencial para demonstrar que a situação do trabalho no Brasil e na América Latina deve ser vista como prioridade e merece estar acima da preocupação com a troca de cargos e indicações políticas. A crise da pandemia retoma a necessidade de repensar políticas públicas e crescimento sustentável como meta de Estado e não de governos que cambiam periodicamente.
Nesse cenário de consequências nebulosas, é interessante pincelar algumas medidas trabalhistas adotadas pelos governos latinos durante a pandemia.
Ao contrário de outros países latinos, o Brasil, com força na medida provisória nº 927, de 22/03/20, adotou o entendimento de que oCovid19 não é considerado doença ocupacional.
Essa medida tem o efeito prático de, em caso de necessidade de afastamento para tratamento da doença, o “segurado da previdência”, entrará em gozo de auxílio doença comum, não gozando de estabilidade provisória no emprego (12 meses após a cessação do auxílio) e ainda tendo redução salarial, salvo se ele próprio puder comprovar, muitas vezes em um longo processo judicial, que a doença (por coronavírus) foi contraída no emprego.
Algumas medidas de proteção mais sensíveis aos trabalhadores merecem destaque, como o decreto de necessidade e urgência nº 329/2020 do governo argentino, que proibiu demissões sem justa causa por um período de 60 (sessenta) dias, adotou outras medidas de subvenção às empresas para custeio de salários e está questionando o pagamento da dívida externa. O governo da Bolívia, em proteção aos familiares de profissionais da saúde estipulou um seguro de vida no valor de 14.350 dólares, além de um bônus aos maiores de 18 anos e auxílio para grávidas. O Brasil implementou um auxílio emergencial no valor R$ 600,00 para trabalhadores informais.
Por sua vez, parece existir um consenso quanto aos benefícios do teletrabalho nos diversos países da América Latina, a exemplo de Brasil, Chile, Argentina, México dentre outros. Em alguns países, a exemplo do Paraguai, se discute a viabilidade de uma “renda básica universal”, como medida de proteção ao grande índice de trabalhadores informais. Na Argentina também avança projeto de lei que visa tributar grandes fortunas, o que causa controvérsias cada vez que se trata disso no Brasil.
Por fim, o grau de isolamento social se apresenta como uma importante diferença nos países, pois alguns estão adotando o isolamento mais acentuado como medida de proteção à população, enquanto no Brasil deu mais ênfase ao isolamento vertical, ou seja, para idosos, grávidas e grupos de risco.
Desse modo, o que detalhamos brevemente são apenas alguns aspectos das medidas trabalhistas adotadas nos países latinos, destacando que o principal signo é ausência de órgãos representativos dos trabalhadores, com a qualidade de equilibrar negociações. Instabilidades políticas, mais uma vez, afastam a adoção de políticas públicas de maior fôlego, no sentido de conferir proteção para essa imensa gama populacional que depende diretamente da relação de emprego e da proteção estatal. É urgente a conscientização geral sobre o papel do Estado em relação aos seus cidadãos.
Por: Adriana Bertollo