Poema do poeta bajeense Ernesto Wayne do livro Poemas Colhidos, livro organizado pelas jornalistas Naira Perdomo Wayne e Sabrina Alves Lehmann
Eu sei, não serão memórias
Como as tuas, Graciliano:
És tu nuns quantos volumes,
Sou eu em minguados versos,
Mas mesmo amargor de cárcere
Ano de 64,
Tarde de cinza, era abril;
Então estávamos presos,
Presidiários todos nós,
Entre grades corrediças,
Barras de aço verticais:
Era mais um vitral gris
Dos que já vira e viria...
Entre sardônico e sério,
Eu dizia que nós todos
Mortos estávamos já,
Mortos, porém, sem saber
Mortos de vez, mas atônitos
Sem saber de seu morrer
Envoltos em cobertores
(Abrigos puídos, gastos),
Em torno dos pulsos temos
Não algemas de algodão,
Camisas de forças apertam
Alma , sonho e o coração...
As almas perambulando
Nos corredores onde há
Água verde dos detritos
Que vêm à tona do piso
Em chão de líquido e limo.
Havia jogo de damas,
Peças presas como nós
No tabuleiro quadrado,
Se se jogava baralho,
Eram rei, sota , cavalo,
Naipes de espadas e bastos,
Mesmas coisas que portavam
Sentinelas, carcereiros:
O ás de pau é porrete,
Cacete de cartolina,
É polida acha de lenha,
Ou feita toda em borracha
Que verga e que se distende
Nos lombos em que desenha
Vermelhos vergões de listras
(São grades feitas de carne?)
Pra fazer o vivente
Contar que fez, que não fez,
Pois, se fez, por que fez?
E se não fez, por que fez?
O ás de pau é bastão,
O ás de pau é a clava,
Cassetete em cinturão
De goma compacta e fina.
Havia, em cartão de vísparo,
Celas formando xadrez
E, como nós, numeradas
As pedras que ocupavam
Cadeia de papelão...
Dormíamos empilhados,
Camas por cima de camas,
Beliches como gavetas
Ao redor de todo o quarto
Como vivo cemitério;
Outros dormiam no chão
Como mortos sem caixão...
Li livros que nos traziam:
A Bíblia de cabo a rabo
(Mais a rabo do que a cabo)
Era mansão habitada
Pelos mortos, Dostoiévski...
Era casa do diabo
Era o dia do diabo
Era a bodega do bode
Certo é que não se pode
Soldar sólida corrente
Com elos feitos de gente...
Mas se formará corrente
Com as mãos dadas do povo
Que farão com que arrebente
Aquela triste corrente,
A corrente aterradora
Que parecia serpente:
Pente de metralhadora...