Os quebra-cabeças e os jogos dememória são construídos com elementos tradicionais de culturas africanas, como os adinkras – símbolos que remetem a conceitos e histórias. Segundo Evelin, o contato com essas referências ajuda as crianças a estabelecer a própria identidade. “Principalmente as crianças negras, que não se enxergam enquantonegras. Se tem uma criança compele mais escura, tem aquela pequena discriminação que precisa ser trabalhada em sala de aula”, ressalta,a partir de sua experiênciacomo educadora.
"O passado é uma forma de abrir a conversa com as questões do presente", relataem seu trabalho ohistoriador e escritor Allan da Rosa. “Pensar família, abrir o linguajar, viajar, mas com as unhas agarradas no tempo da molecada”, diz o autor, sobre os sentimentos durante o processo de construção do livro Zumbi Assombra quem?, publicado em 2017.
O livro surgiu da conversa com uma colegaque teve dificuldade emcontar a trajetória do líder quilombola Zumbi dos Palmares a um grupo de jovens em um festival literário. “Ela disse que a oficina tinha sido terrível, queficou uma hora com a molecada, quefalou de Zumbi. A molecada ficou com nojo, disse que zumbi era um cadáver que anda, que assombra. E ela não conseguia lidar com isso”, lembra.
A partir da provocação, Rosa resolveu trabalhar com fantasmas reais e imaginários que rodeiam crianças e adolescentes, mostrando como surgiu a ideia do livro. “Na hora, eu brinqueiedisse que Zumbi assombra mesmoos fazendeiros, os racistas", disse o escritor,trazendouma desconstrução do imaginário feito porfilmes e jogos da cultura de massa.
De acordo com o autor,o diálogo com o público jovem não tornaolivro necessariamente infanto-juvenil. “Euo considero um livro para adultos e crianças, poroso. Cada linha ali tem uma razão, um pulso, que é ser lido em voz altacom a molecada ou com os coroas, nossas pessoas mais velhas. ”Para Rosa, o projeto é uma publicação para ser lida de forma compartilhadapor duas pessoas, ritual que repetiu todos os dias durante a infância do filho,hojecom 14 anos.
Obras que extrapolam o racismo são fundamentais, na opinião de Luciana Bento. “Poder ver histórias em que as crianças negras têm famílias, sonhos, que não estão sofrendo, é muito importante nesse lugar que a gente esse encontra, e nesse espelho em que vivemos nossa realidade”, diz a pesquisadora.
A possibilidade de ser retratada passa até por coisas simples, como no caso de sua filhamais velha, Aisha, que tem 9 anos e gosta de encontrar o próprio nome, de origem africana,nas histórias que lê. “Meninas negras que são cientistas, que tem orgulho do seu cabelo, que fazem várias coisas e conseguem se ver como possibilidade de existência.”São horizontes que se abrem pelas várias histórias.
Livros que precisam, segundo Allan da Rosa, trazer os conflitos e contradições do mundo. “Não fugir das nossas contradições é uma marca da nossa ancestralidade, da epistemologia ancestral, da encruzilhada, a roda com a sua abertura. Muito mais do que uma linha que só vai para frente, do que o maniqueísmo. Eu vejo isso na nossa história estética”, dizo escritor.